segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Mudança


Dia desses eu estava no ônibus, indo ao laboratório. Estava ouvindo um jazz e tentando decorar o nome da cantora que mais gostei, com a preguiça característica das manhãs de anotar logo em algum lugar. O senhor na minha frente falava. Enquanto olhava concentrada pro meu aparelho, pensei que ele estava com o dele no ouvido, conversando. Percebi que não. Havia um homem falando sozinho na minha frente dentro do ônibus. Não dei muita importância ao fato. Depois de um tempo morando em São Paulo, você acaba se acostumando a algumas esquisitices. Mas depois achei diferente. O senhor gesticulava, baixava a cabeça. Estava triste.

Tirei meu fone. “Desde os 16 eu moro aqui. Hoje tenho 58... Há... 42! Há 42 anos!”. Ele respirava fundo. “O tempo voa”. Silêncio. “Lembro dessa rua... a signorina Susanna minha namorada”. Passamos em frente a uma igreja. Ele fez duas vezes o sinal da cruz. Eu continuava ouvindo, esqueci meu celular e a cantora da voz bonita. “Ah, ragazzi, nessa vida tudo passa”. E cantava: a vida, a vida, a vida é bela, é bela... “Nessa rua eu pegava flores... Flores naturais!”, falava apontando pela janela. “Praça Dalmazia... Lembro quando caí da bicicleta na praça Dalmazia. (...) O ponto do ônibus fica logo ali na esquina”.

O ônibus ainda ia dobrar para chegar no ponto. Ele se dirigiu à porta de saída. Estava triste. “Hoje é a última vez que vou a esse supermercado. Estão vendo? Sou apenas um velho com um carrinho de supermercado. Agora vou pra outro continente! Outra língua, língua espanhola! Quantas recordações...”. Ele sai. Do lado de fora, olha de novo para dentro do ônibus.

Eu mexo minha mão dando um tchau tímido. Não sei se ele viu. Meu cuore diz: boa sorte, senhor. Todas as mudanças têm mesmo um gostinho de saudade.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Dia de chuva



Quando eu era criança, certo dia estava passeando com minha mãe. Estávamos dentro do carro e chovia forte. Eu era muito pequena mesmo. Minha memória não é muito boa, mas esse dia me marcou. Minha mãe estava perdida, não lembrava mais em que rua entrar. As ruas estavam cheias de água. Eu conseguia ficar em pé no banco de trás, bem no meio entre os dois bancos da frente, sabe? E então minha mãe pensou alto “Onde eu entro mesmo? Será que é aqui à direita?” E eu respondi com certeza “Ora mamãe, é só esperar a setinha aparecer!”. Você deve estar rindo nesse momento, igual a minha mãe há não sei quantos anos. Mas eu não. Como deve mesmo ser difícil ser adulto! Eu tenho que decorar as ruas? Pagar as contas? Namorar? É sério, quando eu era criança eu achava que não ia conseguir namorar. Como é que eu ia sair do meu mundo, com as minhas bonecas e ter que bater papo com um menino? Ou melhor, um homem! Eu, definitivamente, não queria virar adulta. E agora, que virei, que consegui namorar e decorar meus caminhos, ainda assim me deparo com aquela rua cheia de água e a dúvida da esquerda ou direita. “Siga seu coração”. Você já parou pra pensar no coração? O coração é difícil de seguir. Tem um monte de válvulas, artérias e veias. Sem contar que ele não para: é sempre tum ta tum ta. É difícil. Mas, sabe? Não importa quanto tempo você fique parada. A setinha só vai aparecer quando você apertar. E o máximo que vai acontecer é você ter que fazer uma manobra e voltar atrás.